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pintura de Arthur Guinness |
Na 5ª. feira da semana passada, 22/09/2011, foi celebrado mundialmente o
Arthur Guinness Day ou simplesmente Arthur’s Day.
Arthur Guinness foi o fundador da Guinness Brewery, cervejaria irlandesa criadora da cerveja Stout mais famosa do mundo, a
Guinness. Desde 2009, com a celebração do aniversário de 250 anos de existência da cervejaria e com a realização paralela de eventos musicais em várias partes do mundo, essa data é comemorada de forma ritualística, onde todos os apreciadores de Guinness devem erguer seus copos “pint” às 17:59 (remetendo ao ano de sua fundação em 1759) como uma homenagem em memória ao criador dessa adorada cerveja. Nada mais justo então que eu fizesse minha singela parcela de contribuição e também erguesse meu “pint”. Salve, Arthur!
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garrafa de Guinness Special Export, 3 versões de Guinness Draught, sendo a última lata o design atual, e Pint de Guinness |
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17:59 (ah, o Botafogo ganhou nesse dia) |
Para completar a celebração coloquei na geladeira todas as Stouts de outras cervejarias que tinha armazenadas aqui em casa. Além da própria Guinness Draught (na verdade comprada no mesmo dia, já que não tinha em casa), a
Caracu,
Dama Bier Stout,
Burgman Stout,
Primátor Stout e
Young´s Double Chocolate Stout, fizeram parte da lúdica brincadeira. Também tenho aqui algumas cervejas do estilo Imperial Stout, cervejas mais robustas, alcoólicas e complexas, mas deixei para degustá-las futuramente uma a uma, até porque depois de beber as 6 citadas a análise ficaria comprometida sem conseguir identificar sensações que cada cerveja traria. Portanto além da irlandesa aniversariante, também entrou na roda 3 brasileiras, uma da República Tcheca e uma inglesa, já estava de bom tamanho.
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Guinness Draught (Dry Stout - 4,2% APV) |
O óbvio brinde inicial foi com a Guinness, com o pint erguido exatamente às 17:59, como o relógio da foto não me deixa mentir. Lembro que a última vez que a tomei foi no
Il Piccolo Caffe (casa localizada no centro do Rio, especializada em comida e bolos alemães, além de boa carta de cervejas) coincidentemente em comemoração a outra festividade irlandesa, o
Dia de São Patrício. Seja comemorando ou no dia-a-dia é sempre bom rever a dança que seu líquido exerce após derramado no copo. O efeito cascata da espuma com sua lenta subida da base ao topo é muito atrativo aos olhos, um verdadeiro espetáculo que mesmo demorado, pacientemente esperamos para só após o creme assentar esplêndida e cremosamente, tomarmos o primeiro gole. Seu sabor é um mix de café capuccino com chocolate amargo, além da alta torrefação, bem tostada, e nada doce! Ou seja, nada enjoativa.
Pint de Guinness vazio, hora de dar prosseguimento na degustação de outras Stouts disponíveis. Segui a ordem da menor para maior teor alcoólico, portanto a próxima da fila foi a Primátor Stout. Essa tcheca seguiu direitinho a receita de como fazer uma Stout, na verdade uma Oatmeal Stout, estilo que leva adição de aveia, responsável por trazer mais cremosidade (e sustança!) à cerveja, pois apresentou boas notas torradas, de café e chocolate, e ainda notei nozes e amendoim no aroma, mas infelizmente ela estava comprometida. Não formou nenhuma espuma no copo, com bolhas dispersas, parecia mais uma coca-cola que cerveja, e parecia aguada também, ou seja, nada de cremosidade, estava “choca”!
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Primátor Stout (Oatmeal Stout - 4,7% APV) |
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Caracu (Swet Stout - 5,4% APV) |
Para meu azar (ou alguma maldição de Arthur) a cerveja seguinte também estava comprometida. Apesar de formar uma espuma bonita, longa e de cor castanho escuro, a Caracu apresentou um fortíssimo cheiro de acetona, um intragável gosto acético, portanto infelizmente teve destino ralo abaixo na pia da cozinha. Confesso que até esperava um pouco por isso. Sua latinha estava aqui em casa guardada na despensa, comprada por minha mãe há tempos, que a usaria na receita do “filezinho de gambá”, então das duas uma, ou ela ou o supermercado na qual comprou a estocou mal. Por ser uma cerveja do maior grupo cervejeiro do mundo,
ABInBev (Anheuser-Busch InBev), portanto facilmente encontrada em qualquer lugar, desde uma birosca a um hipermercardo, natural que nem todo lugar tenha o cuidado necessário, na verdade o mínimo, na hora de estocar seus produtos.
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Dama Stout (Stout - 5,5% APV) |
Pelo menos dei sorte na próxima (obrigado, Arthur!). A última cerveja lançada pela Cervejaria Dama Bier, a Dama Stout, estava perfeita em suas condições, sem apresentar defeitos. Era a primeira vez que a tomava, e para surpresa senti de cara, como uma bofetada, um cheiro muito frutado de abacaxi, que na verdade ele foi bem convidativo, elegante e agradável, presente também no sabor, mas neste sobressaindo menos. Forte presença de algo gorduroso, que me soa fortemente como queijo gorgonzola, também a marcou – um adendo: a primeira vez que senti queijo gorgonzola numa cerveja foi na americana
Barney Flats Oatmeal Stout, da americana Anderson Valley, que como leva adição de aveia, talvez essa robustez, cremosidade e gordura, venham daí – Fica a dúvida se a Dama também leva aveia. Enfim, ela era muito encorpada, aspecto de chope mesmo, e no fim ficou a sensação de ser muito equilibrada, nem mais nem menos, diria que perfeita.
Essa perfeição durou pouco, terminando na próxima escolhida que também estava comprometida, totalizando 3 estragadas e tudo na mesma noite, será que bati o recorde? A próxima que escolhi foi a Burgman Stout, a mais alcoólica de todas, mas quebrei a regra mudando um pouco a ordem, pois achei que esta estaria mais parecida com as anteriores, conseguindo manter a análise no mesmo nivelamento. Mas a frustração foi tanta que também foi ralo abaixo. Nenhuma espuma, menos ainda que a tcheca, com a mesma aparência de coca-cola que após aberta fica dias na geladeira, sem gás nenhum.
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Burgman Stout (Stout - 7% APV) |
Cheguei a seguinte conclusão na minha análise sensorial de cervejas comprometidas:
- Caracu: provavelmente foi mal acondicionada no supermercado que a estocou. Ficou em contato direto com o sol ou em lugar úmido ou sem ventilação ou todos estes juntos. O forte cheiro de acetona e o azedo do sabor, até onde consegui suportar para analisar, comprovam isso.
- Primátor: provavelmente foi mal transportada até minha casa. Como foi comprada em loja especializada em cervejas, certamente estava bem estocada lá, mas no trajeto da transportadora ou dos Correios deve ter sofrido alguma avaria, como cervejas sobre as outras dentro da caixa de papelão, por exemplo, ocasionando leve abertura da tampa devido contato entre ambas, causando perda de gás carbônico e a contaminando apenas em parte, pois mantinha suas características normais, podendo ser medianamente degustada, embora com zero de carbonatação e corpo aguado.
- Burgman: o mesmo que a Primátor. Embora não a tenha bebido, apenas provado uma “bicada”, pois acabei despejando-a no ralo devido a alta frustração (já a Primátor consegui tomar toda), o pouco que provei apresentava bom torrado, café e boa carga de lúpulo, mas estava muito “choca”, sem graça, ruim, e a bebi pouco.
Para fechar a noite, ou melhor, para salvá-la, era hora da Young’s Double Chocolate Stout. Seria a penúltima na ordem crescente das alcoólicas, mas ficou pro final, pois tinha mais cara de sobremesa. Embora as Stouts tenham como forte característica sabores e aromas de café, chocolate e suas derivações, essa cerveja recebeu essência e adição do próprio chocolate escuro na sua receita, do também inglês
chocolate Cadburry, nesta que é considerada a primeira cerveja de chocolate registrada do mundo e mundialmente premiada em concursos cervejeiros. Obrigado, Arthur, por abençoar esse exemplar, que estava pefeito, com boa formação de espuma, de aspecto cremoso, com o bonito visual do líquido preto, muito denso, viscoso, oleoso, rijo. E no nariz... abra uma barra de chocolate escuro, puro cacau e com adição de pedaços de laranja, é o mesmo cheiro que você vai sentir nessa cerveja, o mais puro e vivo, nada artificial, aroma de um bom chocolate fino, inebriante e delicado. No paladar o chocolate muda do cítrico para dar lugar a um chocolate meio-amargo, mais contido no doce e bem tostada, com o chocolate menos intenso, e ainda bem, pois evitou deixá-la muito doce e enjoativa. No final ficou a sensação que me proporcionou uma satisfação tão intensa que dificilmente outro alimento/bebida conseguiriam tornar híbrido prazeres, para muitos, tão díspares, à perfeição, em apenas um único produto. Lembrei da cara de espanto da caixa do supermercado ao deparar-se com a existência de uma cerveja com chocolate. Até argumentei dizendo que era boa, mesmo sem tê-la provado ainda e agora, após degustada, deu vontade de voltar lá e falar a ela: eu não disse?
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Young's Double Chocolate Stout (Sweet Stout - 5,2% APV) |
No final fiquei satisfeito de ter experimentado cervejas excelentes, como a velha conhecida Guinness e as recentes Dama Stout e Young’s Double Chocolate Stout, me marcando tanto que certamente voltarão a freqüentar meu copo futuramente, e até mesmo a Primátor Stout, que provou ser uma potente cerveja, pois mesmo comprometida conseguiu manter medianamente intactos aroma e sabor. Já as demais, decepções a parte, mesmo fatalmente comprometidas receberão uma segunda chance, acredito que o raio não cairá duas vezes no mesmo lugar. Mas a que mais marcou foi definitivamente a de chocolate. Já tinha experimentado antes cervejas que levam chocolate no nome, usando esse insumo não de forma natural, vivo, mas artificialmente, o gosto e o cheiro até eram de chocolate, mas igual um chocolate barato, de 2ª. categoria, pessimamente inserido no conjunto. A Young’s me fez mudar os meus conceitos.
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DaDo Bier Double Chocolate Stout (Imperial Stout - 10,5% APV) |
E continuando com a temática de cervejas com chocolate, concluo essa postagem com uma bela
notícia aos cervejeiros e chocólatras de plantão: a cervejaria
DaDo Bier, gaúcha fundada em 1995, conseguirá finalmente registrar junto ao
MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), a sua cerveja
DaDo Bier Double Chocolate Stout. Criada em comunhão com os cervejeiros cariocas
Ricardo Rosa e
Mauro Nogueira, seu diferencial é a adição de
chocolate Kopenhagem na fórmula da receita, que acabou tendo seu registro vetado pelos funcionários do MAPA, devido proibição da lei no uso em cervejas de insumos de origem animal, o leite em pó, no caso (proibição restrita apenas às nacionais, já que a importação de exemplares semelhantes ocorre aos montes, vide a inglesa que tomei). A solução partiu da própria Kopenhagem que criou um chocolate que não tivesse leite em pó e a cervejaria conseguiu dessa forma a aprovação do MAPA. Resta agora esperar o lançamento dessa cerveja na chocolataria e empório mais próximos. Quem se deu bem, à época da polêmica, foram os poucos felizardos que conseguiram prová-la dentre os 100 lotes que a cervejaria presenteou, e disseram, em unanimidade, tratar-se de uma das melhores cervejas já feitas no Brasil. Muitos acabaram correndo pra esteira da academia no dia seguinte.